Toninho

Era quase 17 horas de uma segunda-feira. O trânsito intenso, o fazia lembrar que estava em São Paulo. Buzinas, motoboys ziguezagueando entre os carros. Pela janela, o céu é cinza e as nuvens da infância deram lugar à camada de poluição característica das metrópoles.

"Toninho!" Por um instante pensou que estar louco, pois há anos era o Chef Tony, daquele renomado restaurante que insistia em encabeçar a lista dos mais sofisticados da cidade.
"Toninho!". "Não, não pode ser. Deve ser stress, ou fome", pensou. Passou o dia inteiro elaborando e testando novas receitas, revisando cardápios, cotando preços... era dia de folga no restaurante mas apesar disso era também mais um dia de trabalho árduo.
Alternava a distração com a paisagem urbana com a atenção ao volante, até que mais uma vez ouviu aquela mesma voz, dizendo "Toninho".

Num rompante de decisão, mudou seu caminho assim que a luz verde do semáforo brilhou. Havia anos que não seguia por ele, de modo que agora vários arranha-céus cortavam a paisagem. Definitivamente, o progresso avançava inclusive por lá, onde as alamedas arborizadas de ruas tranqüilas e casas térreas geminadas de sua infância pareciam ter ficado restritas à memória.

Vinte minutos depois, reduzia as marchas e pisava menos no acelerador. Não em razão do congestionamento, que havia sido deixado para trás (na Marginal Pinheiros), mas para que a memória se "refrescasse" e finalmente encontrasse alguma pista.
Estacionou (depois de alguns minutos de procura por uma vaga) e prosseguiu a pé. Reviu a pracinha (impossível não lembrar daquele tempo em que jogava bola de gude com os amigos), sentiu falta da antiga mercearia (que agora era uma lan house repleta de adolescentes) mas ainda encontrou o boteco de "seu Mathias", o octogenário torcedor da Lusa (ovos coloridos na estufa e o mesmo velho pôster amarelado de sua Portuguesa de Desportos campeã do Torneio Rio-São Paulo de 1955).

Sentiu um inconfundível cheirinho de café (desses, coados no coador de pano) passeando pela rua e foi então que se deu conta de que aquela voz que lhe chamara instantes antes era mais que um provável delírio.
"Toninho!" Olhou para trás e viu aquela senhorinha de cabelos brancos e avental amarradinho à cintura. O coque no alto da cabeça e os olhinhos miúdos e marejados não deixavam duvida: era tia Cotinha.

O abraço apertado dado pela pequenina mulher trouxeram à tona anos de história familiar.
Do portão da casinha (que sobrevivera heróica ao progresso) podia-se sentir o cheirinho daqueles biscoitos amanteigados que encantaram durante anos a família e a vizinhança "intrometida".
Havias muitas lembranças e muitas histórias para serem postas em dia. À primeira mordida naquele biscoito vieram as lágrimas nos olhos de Toninho.

Nada como o gosto da infância ressurgindo em forma de comida...

1 comentários:

Ana Franco disse...

Josy querida,

Obrigada pela visita! Fiquei muito feliz!

Também sou frequentadora assídua do seu "Universo" tão gostoso e colorido.

Bjs,

Ana

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